Foi registrada nos autos de emergência da polícia uma chamada
telefônica avisando ter encontrado o corpo de uma jovem no corredor em frente
ao apartamento da própria vítima. A chamada foi realizada por sua vizinha de
apartamento.
Como é de praxe na profissão de Detetive Investigador, além de
consultar os integrantes da perícia, é ele quem interroga as testemunhas. Na
ocasião, o Delegado de Polícia de plantão, que não tinha mais nenhuma
ocorrência urgente, presidiu o interrogatório, horas depois do crime.
- Seu nome, por favor.
- Marylou, mas pode me chamar de Lou.
- Nome completo, por favor.
- Ah, claro... Marylou Moriarty.
- Qual sua idade?
- 21.
- Seu estado civil?
- Solteira.
- Qual a profissão da senhorita?
- Eu trabalho numa videolocadora, mas não é qualquer
videolocadora, sabe? O Quentin Tarantino também já trabalhou aqui e muita gente
famosa...
- Sim, eu compreendo. Endereço?
- Lancaster Street, no. 1308, apto 823. Los Angeles.
- No dia 31 de outubro foi registrada uma chamada
telefônica solicitando uma patrulha policial ao seu endereço, tendo dito que
havia sido encontrado o corpo de uma jovem. Esta informação procede?
- Sim, Doutor Delegado, fui eu mesma quem chamou a polícia.
- Há quanto tempo a senhorita mora neste prédio?
- Acho que quase dois anos, agora.
- Com quem a senhorita mora?
- Com ninguém. Eu moro sozinha, Doutor. Meus pais ainda moram em
nossa casa de campo, em Denver, mas eu preferi me mudar pra cidade pra estudar,
eu quero ser atriz...
- Tem noivo, namorado ou algum tipo de relacionamento?
- Não, Sr. Detetive. No momento não estou namorando, mas sabe...
se aparecesse um cara legal...
- Está bem, é o suficiente... Quanto a outras pessoas, a
senhorita costuma receber muitas visitas em seu apartamento?
- Ah, claro, Doutor! Sempre vêm alguns amigos em casa. A gente
estoura uma pipoca e assiste um filme ou toma um vinho e bate papo, essas
coisas...
- Quanto aos seus vizinhos, a senhorita os conhece bem? Como é o
seu relacionamento com eles?
- Mora muita gente aqui... A maioria jovem como eu, que vêm pra
cá pra tentar trabalhar no cinema. Meio que todo mundo se conhece, mas a gente
se fala sempre rápido, ou no elevador, alguns vão à locadora onde eu trabalho,
outros a gente encontra na cafeteria ou pelo bairro... Eu tenho mais amizade
com o pessoal do andar de cima, o nono, e uma garota do meu andar, vizinha
dessa que morreu...
- Sobre a vítima, a senhorita a conhecia? Era sua vizinha?
- O apartamento dela era ao lado do meu, mas ela era uma moça
muito reservada, falava pouco, mas estava sempre alegre e era muito simpática...
- Há quanto tempo ela morava no prédio?
- Não tenho certeza, Sr. Detetive, mas acho que ela se mudou pra
cá há quase um ano mais ou menos.
- Vocês eram amigas, frequentavam seus apartamentos, saíam
juntas?
- Não, eu não era amiga dela, mas ela tinha me falado que
trabalhava numa cafeteria perto da locadora em que eu trabalho, e às vezes a
gente se falava... Outro dia, ela tava me contando de um cliente que ia todas
as quintas-feiras tomar café no mesmo horário, e...
- Certo, isso não é tão importante. Vamos voltar à cena do
crime... Você sabe se a vítima tinha algum inimigo, algum ex-namorado ciumento,
vingativo ou algo assim?
- Acho que inimigo ela não tinha, não, porque era uma garota tão
boazinha... Mas logo que ela se mudou pra cá, eu cheguei a ver um rapaz que
veio várias vezes aqui... Umas duas vezes ele bateu na porta dela e ela fingiu
que não tava em casa e não atendeu... Mas quando eu falei pra ela que um rapaz
veio aqui, ela desconversou e nem quis saber como ele era...
- Na hora do crime, a senhorita estava sozinha ou havia mais
alguém no apartamento?
- Não... Eu estava sozinha. Afinal de contas é dia de Halloween!
Já é uma tradição para mim...
- Sim, nós entendemos... O que a senhorita estava fazendo nesse
momento?
- Eu já estava meio que perdendo a paciência com aquelas
crianças... Já fazia uma meia hora que elas não paravam de bater de porta em
porta gritando ‘Travessuras ou gostosuras’! E eu tentando assistir ao filme...
- A senhorita pode ser um pouco mais direta, por favor? Até
agora a senhorita não nos deu nenhuma informação sobre a vítima!
- Claro, me
desculpe. Então, continuando... Eu tava assistindo um filme, porque todo ano
nessa data eu assisto ao mesmo filme...Nosferatu. O Doutor Delegado, conhece? E
o Sr, Seu Detetive? Já assistiu? Se ainda não viram, têm que ver! É muito
assustador... Conta a história de um vampiro, sabe... E é por isso...
- Senhorita Marylou,
por favor, atenha-se aos fatos! E quem faz as perguntas aqui somos nós, não a
senhorita!
- Me desculpe novamente... É que é tão empolgante! O que está
acontecendo parece um filme de verdade mesmo!
- Certo. Retomando seu depoimento. Então, a senhorita estava
assistindo um filme e havia crianças gritando no corredor. O que aconteceu
depois?
- Eu ouvi um grito e me pareceu tão real... tão próximo... Mas
nesse exato momento, era a parte do filme em que Nosferatu mordia o
pescoço da vítima, então eu ignorei... Mas logo em seguida ouvi de novo, e foi
quando fui até a porta... Olhei pelo olho mágico e não vi nada pela fração de
um segundo e então, eu vi a sombra... O Doutor Delegado pode não acreditar, mas
eu juro que eu vi... E era muito grande... Realmente eram asas que se moviam e
levantaram voo...
- Quando foi que a senhorita viu o corpo?
- Na mesma hora, sem pensar direito eu abri a porta. E então,
encontrei a garota lá...
- Como ela estava? A senhorita tocou ou moveu o corpo da vítima?
- Não! Não tive coragem de mexer na garota... Mas ela estava
lá... Meio torta, com a cabeça virada para o lado... As pernas também estavam
tortas, dobradas... Tinha um pouco de sangue esparramado pelo chão, próximo de
seu pescoço. Foi então que eu vi... Quando eu me abaixei mais perto do rosto
dela, eu vi as duas marcas... Eram pequenas, e ainda tinham um pouco de sangue
também, pareciam dois pequenos furinhos...
- Quanto tempo a senhorita demorou a chamar a polícia?
- Foi logo em seguida, porque o som da televisão estava muito
alto e começou a tocar uma daquelas músicas de terror, o senhor sabe, né?...
Então eu me assustei e corri pra dentro do apartamento e liguei na mesma hora
pra polícia.
- Isso foi a que horas precisamente? A senhorita saberia nos
informar?
- Ah, eram 23h59min e eu tenho certeza porque foi quando eu
olhei pra televisão e estava marcado no canto da tela.
- A senhorita teria mais alguma informação a nos relatar?
- Não, acho que não me lembro de mais nada...
- Por enquanto é só. Obrigada pela sua colaboração. Entraremos
em contato se houver qualquer dúvida no seu depoimento.
- Ah, não há de que! Estou às suas ordens! Sabe, Doutor
Delegado, na verdade...
- Passar bem senhorita. Tenha um bom dia!
E assim ambos, Delegado e Investigador, deixaram a sala de interrogatório,
e foram em busca de mais um possível suspeito.
© Marcia Rosenberger, 2012. Todos os direitos reservados.
Nomes de personagens e filmes utilizados pertencem aos respectivos criadores.
Créditos da imagens:
WikipediaN.A.: Texto sobre o Gênero do Discurso: Interrogatório produzido como atividade orientada em curso de práticas de leitura.
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